arroz brasileiro perde espaço no próprio mercado



Enquanto as exportações, de forma frágil, sustentam os preços e mantêm o mercado do arroz respirando, o consumo interno enfraquecido, a ameaça das importações e a iminente colheita nos Estados Unidos criam um paradoxo, gerando incertezas para o futuro do setor.

Nas últimas semanas, a comercialização interna permaneceu quase estática, com liquidez mínima e negociações da mão para boca. Orizicultores seguram estoques, principalmente de arroz nobre, esperando condições mais atrativas; indústrias, por sua vez, compram apenas o necessário para reposição imediata.

No Rio Grande do Sul, principal estado produtor, cotações seguem entre R$ 60 e R$ 62/saca para o parboilizado, R$ 65 a R$ 67/saca para o padrão indústria (acima de 58% de inteiros) e até R$ 75/saca para o grão nobre. Sem uma virada de chave no panorama atual, o mercado tende a enfrentar nova pressão de baixa no médio prazo, tornando pouco provável a sustentação de preços acima de R$ 70/saca ainda nesta temporada.

O protagonismo absoluto das exportações é, ao mesmo tempo, salvação e risco. Salvação porque tem impedido uma queda mais acentuada das cotações. Risco porque essa sustentação está ancorada em uma janela curta, que pode se fechar em setembro com a entrada da safra norte-americana e o consequente redirecionamento da demanda dos principais compradores das Américas.

O superávit comercial do arroz registrado neste ciclo é positivo, mas simbólico (pouco mais de 11 mil toneladas) — e insuficiente para reverter um histórico de vulnerabilidade estrutural. Com uma meta inicial de exportar 2 milhões de toneladas (base casca), o setor agora vê, com sorte, o arroz atingir 1,5 milhão de toneladas nesta temporada.

Nos bastidores, entidades e lideranças se movimentam. Federarroz, Irga e ApexBrasil realizam encontros para desenhar projetos conjuntos voltados à abertura e consolidação de novos mercados, com foco em inteligência comercial e promoção do arroz brasileiro. A Federarroz também solicitou ao governo gaúcho que os recursos da Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura (CDO) sejam direcionados ao escoamento da produção, visando aliviar a pressão de oferta e sustentar preços.

Outro ponto de destaque foi o decreto nº 58.296, em vigor de 1º/08/2025 a 28/02/2026, que concede crédito presumido de ICMS para indústrias que comercializam arroz beneficiado produzido no próprio estabelecimento em embalagens de até 5 kg (exceto arroz polido). As alíquotas aplicáveis são 2% para São Paulo, 3% para Minas Gerais e 3% para os demais estados, de forma opcional, substituindo a base reduzida anterior.

Para além dessas questões, o Brasil precisa atacar os gargalos que corroem a competitividade: custos de produção aviltantes, fretes internos cada vez mais caros, pedágios, tributos, entre outros. A forte dependência rodoviária — vulnerável a más condições das estradas e eventos climáticos como as enchentes de 2024 — eleva custos logísticos, reduzindo margens e dificultando acesso ao porto, muitas vezes já sobrecarregado pela soja.

O déficit de armazenagem no país força produtores a vender na colheita, com perdas na rentabilidade que podem superar os 30%, enquanto a baixa integração multimodal (rodoviário, ferroviário e hidroviário) encarecem o frete e muitas vezes atrasam embarques.

A concorrência regional cresceu: Argentina, Uruguai e Paraguai hoje oferecem arroz mais competitivo, ampliando a perda de espaço do produto gaúcho. O Paraguai, por exemplo, consolidou-se como principal fornecedor brasileiro, com custo de produção quase 50% menor e acesso desonerado pelo Mercosul.

Na temporada comercial 2025/26, o país projeta exportação de aproximadamente 1,35 milhão de toneladas (base casca), sendo cerca de 80% deste volume destinado ao Brasil, funcionando como “segundo estoque” nacional. Hoje, a nação guarani produz três vezes mais que há uma década, com as cotações mais atrativas do continente, logística favorável e vendas ágeis. Essa competitividade pressiona a cadeia produtiva brasileira, desloca parte da demanda interna e amplia a dependência do cereal importado. Para o Brasil, a saída é fortalecer urgentemente as exportações e reduzir custos, sob risco de perda estrutural de mercado.

Do campo à prateleira, a palavra-chave é coordenação. Produtores, indústrias e exportadores precisam alinhar volumes, tempos de oferta e estratégias comerciais para evitar vendas desordenadas e quedas abruptas nas cotações do cereal. O varejo, por sua vez, deve ser parceiro na comunicação do custo real de reposição, diluindo aumentos de forma gradual para não travar o consumo.

Se o objetivo é pleno desenvolvimento e sustentabilidade de todos os elos, o arroz brasileiro precisa sair da lógica reativa e abraçar uma estratégia nacional integrada — que valorize qualidade, agregue valor e transforme oportunidades passageiras em pilares permanentes de competitividade.

O tempo é curto e a janela pode se fechar rapidamente. A diferença entre avançar e regredir estará na capacidade do setor de agir agora, de forma coordenada e inteligente.

*Evandro Oliveira é graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e especialista de Safras & Mercado para as culturas de arroz e feijão



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