A onerosa campanha de “Ainda Estou Aqui” para chegar ao Oscar enfim começou a render frutos mais suculentos nesta segunda-feira, com o anúncio de que não apenas o filme, mas também Fernanda Torres estavam indicados ao Globo de Ouro.
Primeiro, houve o anúncio da categoria de filme em língua estrangeira. Depois, o de atriz em drama. Dessa forma, o longa de Walter Salles quebrou um jejum de duas décadas e se tornou o oitavo longa brasileiro já indicado.
Os anteriores foram “Orfeu Negro”, em 1959, “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, em 1978, “Pixote: A Lei do Mais Fraco”, em 1981, “Abril Despedaçado”, em 2001, “Cidade de Deus”, em 2002, “Diários de Motocicleta”, em 2004, e, claro, “Central do Brasil“, que em 1998 saiu vitorioso e emplacou Fernanda Montenegro, mãe de Torres, entre as atrizes indicadas.
Por mais que tenha caído em desgraça com uma série de polêmicas e acusações de compra de votos, o Globo de Ouro vem se reabilitando e segue como um dos termômetros mais importantes para o Oscar, linha de chegada da temporada de premiações que “Ainda Estou Aqui” quer cruzar.
Para isso, Salles, Torres, Selton Mello e o produtor Rodrigo Teixeira têm participado de exibições, entrevistas, bate-papos, jantares e outros eventos em cidades como Los Angeles e Londres, tentando convencer os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas a considerarem o filme em várias categorias.
“É simbólico repetir o que o Walter fez com a mãe da Fernanda Torres [em ‘Central do Brasil’] depois de tantos anos. Eu estou muito emocionado”, disse Teixeira pouco após o anúncio. “É algo que fortalece o cinema brasileiro, através do filme, e os talentos brasileiros, que merecem ser enaltecidos, na figura da Fernanda.”
Torres, colunista deste jornal, segue a mesma linha ao lembrar os 25 anos da indicação de Fernanda Montenegro. “É uma coisa milagrosa, ainda mais em meio a atrizes tão potentes, falando em inglês. É um ano cheio de filmes e atrizes extraordinários, então é algo para todos termos orgulho.”
Marcada para 5 de janeiro, a 82ª edição do Globo de Ouro revela seus vencedores antes mesmo de o Oscar anunciar os seus indicados, o que acontece no dia 23 do mesmo mês. Qualquer vitória, portanto, será uma importante propaganda para os postulantes.
A presença de “Ainda Estou Aqui” e de Torres na lista, porém, têm significado maior do que mera festa brasileira. Ela mostra que o Globo de Ouro, depois de ser bombardeado pela falta de diversidade em anos recentes, têm treinado seu olhar para ser mais pluralista, especialmente em relação àquilo que se produz fora do maquinário de Hollywood.
“Tudo que Imaginamos como Luz“, da Índia, emplacou não apenas uma indicação a filme em língua estrangeira, como também a direção, para Payal Kapadia. Italiana, Isabella Rossellini aparece entre as atrizes de drama, por “Conclave”. Já o russo Yura Borisov, de “Anora“, está entre os atores coadjuvantes.
Em direção e roteiro, os franceses Coralie Fargeat e Jacques Audiard são mencionados, por “A Substância” e “Emilia Pérez“, nesta ordem. Se o prêmio é dado por um grupo de jornalistas estrangeiros, faz sentido que ele dê mais atenção a talentos e obras internacionais.
“Emilia Pérez”, aliás, parece ser o grande concorrente que “Ainda Estou Aqui” terá de superar. Ele foi o longa mais lembrado desta segunda, com dez indicações, incluindo as de melhor filme e atriz de comédia ou musical, para Karla Sofía Gascón —esta uma pedra no caminho de Torres ao Oscar.
O musical é seguido por “O Brutalista”, com sete indicações, e “Conclave”, com seis. Já na ala televisiva, “O Urso” emplacou cinco, enquanto “Only Murders in the Building” e “Xógum“, quatro. A trama falada majoritariamente em japonês reforça a ideia de que o Globo de Ouro está menos amarrado à produção anglófona.
Já “Round 6” esperava mais atenção, mas conquistou uma significativa indicação para a Coreia do Sul em série de drama. Aumentaram as fileiras de estrangeiros a colombiana Sofía Vergara, por “Griselda“, o espanhol Javier Bardem, por “Monstros – Irmãos Menéndez: Assassinos dos Pais“, e o mexicano Diego Luna, por “A Máquina“.
Americanos e britânicos negros ou de origem latina também estão em alta, num sinal de que as mudanças do prêmio estão surtindo efeito em termos de diversidade. No que diz respeito à lisura do processo, convites opulentos e privilégios aos jornalistas votantes parecem já não incomodar tanto, numa volta ao status quo.