Em 2016, o americano Bill Dess, então com 23 anos, lançou na Internet uma faixa com o singelo e agressivo nome de “Go Fuck Yourself” (“vá se foder”). Era uma canção estranha, que começava com chiados que emulavam um disco velho, depois emendava um vocal cheio de efeitos e um beat eletrônico por baixo de uma guitarra blues. Por alguma razão, a música capturou o coração de muita gente, especialmente jovens, e virou um hit. Hoje, somando todas as plataformas, “Go Fuck Yourself” tem cerca de dois bilhões de audições.
Dess adotou o nome artístico de Two Feet e já lançou quatro álbuns. Sua segunda música de sucesso, “I Feel Like I’m Drowning”, lançada em 2018, chegou ao topo da parada de “Canções Alternativas” da “Billboard”. Two Feet tem quase 8,5 milhões de seguidores no Spotify e fará um show único em São Paulo em 12 de março, no Cine Joia.
Sua única apresentação no Brasil até hoje foi no festival Lollapalooza, em 2022. “Foi uma experiência incrível tocar no Brasil”, diz Two Feet, por Zoom, à Folha. “O público foi muito alegre e receptivo. Não posso esperar para voltar e fazer um show solo”. Two Feet se apresenta em trio. Ele canta e toca guitarra junto ao baterista Matt Swain e ao tecladista Geoffrey Hufford.
O próprio Two Feet parece surpreso por sua imensa popularidade. “Quando comecei a fazer esse tipo de som, não sabia se alguém mais ia gostar. Eu gostava, mas não tinha a menor ideia de como as pessoas reagiriam, então foi incrível quando ‘Go Fuck Yourself’ estourou. Isso me deu confiança para seguir em frente com meu estilo próprio”.
Esse estilo, o próprio Two Feet define, com uma ponta de autoironia, como “blues trap”. “É simples. São bases eletrônicas com vocais de rhythm’n’blues e guitarras de blues, tudo misturado”. Adolescente, Two Feet era ouvinte assíduo de artistas eletrônicos de EDM como Skrillex e Calvin Harris, mas também adorava blues, rock e soul music. Ele estudou guitarra e toca todos os instrumentos em seus discos.
Segundo o compositor, há uma legião de imitadores por aí. “Às vezes, eu vejo um comercial de carro e tenho a nítida sensação de que a empresa contratou um produtor e pediu que ele copiasse minha música”. Canções de Two Feet já foram usadas em transmissões da NFL, a poderosa liga de futebol americano. “Tenho meu próprio selo (477 Records), trabalho com muita gente mais jovem que eu, e percebo que há muitas bandas que soam iguais a mim. Os jovens com quem trabalho me veem como alguém que criou um gênero particular.”
Apesar de ter surgido devido à Internet, Two Feet é crítico das redes sociais por, segundo ele, ajudar a “manter os fãs de música numa bolha”. “Acho que muita gente não aproveita as oportunidades que a Internet oferece de conhecer toda a música feita no mundo e a música de outras épocas. Vejo uma garotada que não conhece nada além do que gosta, não se interessa em estudar a história da música ou em tocar um instrumento. Felizmente, meu pai sempre me incentivou a pesquisar. Amo música clássica, jazz, e o blues de gente como Leadbelly e Screamin’ Jay Hawkins”.
Two Feet cita dois artistas mais recentes como grandes inspirações na mistura de eletrônico com outros gêneros: Moby e Gorillaz (banda liderada por Damon Albarn, do Blur). “Quando eu tinha uns dez anos, vi um filme da série ‘Bourne’ (“A Identidade Bourne”) e a trilha tinha uma música do Moby (“Extreme Ways”, faixa que encerra os cinco filmes da franquia “Bourne”), fiquei maluco com aquilo. Depois um amigo me mostrou o primeiro disco do Gorillaz e foi outra revelação”.
Two Feet diz que recebe centenas de mensagens por dia, a grande maioria de fãs muito jovens, e que percebe que muitos deles passaram a se interessar por blues e jazz após ouvir suas faixas e ver seus shows. “Eu sempre falo da importância de aprender um instrumento e de fazer música de forma orgânica, e tenho recebido muitas mensagens de fãs que começaram a tocar guitarra e a ouvir blues por minha causa. Claro que fico muito orgulhoso com isso.”
