Pulitzer: 'Stay True' explora a identidade imigrante – 03/02/2025 – Ilustrada


Escrito ao longo de mais de duas décadas por Hua Hsu, crítico cultural da revista The New Yorker, o livro “Stay True: Relato de uma Amizade” aborda temas densos como luto e imigração com delicadeza. Lançada em 2022 nos Estados Unidos, a obra propõe um mergulho no passado sem pesar a mão na melancolia ou no sentimentalismo.

Ao esmiuçar o período que abrange o início da vida adulta, o escritor taiwanês-americano recorre às sensações para tentar dar sentido à sua realidade. Vencedor do Prêmio Pulitzer na categoria autobiografia em 2023, o livro chega pela editora WMF Martins Fontes com tradução de Rodrigo Neves.

No pano de fundo está a relação do escritor com Ken, seu colega na Universidade de Berkeley. Na metade da década de 1990, a dupla se conheceu com 18 anos no dormitório da faculdade, mas a amizade foi interrompida antes da graduação —Ken morre em um assalto dentro do campus.

O impacto da tragédia nunca foi integralmente absorvido pelo autor, que se manteve no ambiente universitário como professor, além de criar a editora independente Suspended in Time. De certa forma, “Stay True” reflete a sua busca pela suspensão do tempo ao olhar para trás em busca de pistas sobre si mesmo.

Depois de passar o ensino médio construindo a sua identidade ligada aos símbolos da cultura alternativa —zines, brechós e Nirvana—, Hua Hsu estava pronto para encontrar a sua tribo. Entretanto, o destino colocou na sua frente a pessoa que faria as suas convicções caírem por terra.

Ken representava o mainstream pois gostava de Pearl Jam e Dave Matthews Band, usava camisa polo da Abercrombie & Fitch e participava da fraternidade. Ou seja, tudo que o autor desprezava. “Ele achava que as pessoas eram naturalmente boas e compreensivas. Eu via uma coleção de CDs ruins e tomava isso como prova de fraqueza moral.”

Em pouco tempo, Hua e Ken construíram rituais —da pausa para fumar cigarros ao garimpo de vinis—, mas também dividiram os incômodos de não se enxergarem na cultura americana. “As outras pessoas felizes e equilibradas como Ken que eu tinha conhecido eram brancas.”

A família japonesa do amigo vivia nos EUA há várias gerações, enquanto os pais do autor desembarcaram na década de 1970. “Os filhos de imigrantes recentes sentem desconforto num nível molecular”, ele escreve. Para o autor, a primeira geração está focada na sobrevivência no novo território, ao passo que quem veio depois tem a responsabilidade de contar as histórias.

O currículo da sua graduação voltou-se às ciências sociais, enquanto ele se envolvia no movimento estudantil e na militância antirracista. Para embasar as suas teorias sobre amizade e relações pessoais, ele recorre às ideias de Aristóteles, Jacques Derrida, Bronislaw Malinowski e Marcel Mauss.

“Eu me definira por aquilo que eu rejeitava, e essas escolhas tendiam a formar um viés político”, aponta sobre a forma como enxergava o mundo. Para além de um livro de memórias, “Stay True” indaga a forma como o gosto pessoal é construído a partir da cultura.

Aos 21 anos, em meio ao tédio e a falta de responsabilidade, Hua questionava se ele se tornaria o tipo de adulto que tem o livro “Graça Infinita”, do David Foster Wallace, posicionado em uma “despojada mesa triangular”. Ou se cruzaria os limites dos corredores de rock da loja de discos para se tornar um apreciador de jazz.

“A construção de personalidade é um jogo que exige que você duele com as expectativas dos outros”, reflete ao olhar para a juventude. Dentro deste cenário, a música tem papel fundamental na sua formação. Foi vasculhando a coleção de LPs dos pais que ele entendeu mais sobre a vida deles após deixarem Taipei.

Com o distanciamento da maturidade, jogar luz na época da faculdade o permite saborear os momentos compartilhados com o amigo morto, mas também mirar com paciência a quem ele costumava ser. Há o sentimento agridoce do passado, mas a escrita deixa se agarrar a esses instantes de felicidade por mais algum tempo.

“Continuar o trabalho, Mauss sugere, é a dívida que temos com colegas falecidos”, escreve como justificativa do projeto do livro.

Não à toa, o título carrega a referência da forma como os amigos encerravam os emails: “Stay true to yourself” —seja sempre você mesmo. Afinal, mesmo que seja uma história dolorosa, é nela que residem as chaves da interpretação do presente.



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