Na adaptação para o cinema de “Wicked”, Elphaba, personagem de Cynthia Erivo, usa magia para defender a sua irmã e, sem querer, destrói um mural do Mágico de Oz na Universidade de Shiz. Quando seu surto quebra a parede, ele também revela uma imagem que foi intencionalmente encoberta: os fundadores da escola, professores animais cuja capacidade de falar e ensinar política representava uma ameaça ao reinado do mago.
Isso é revelado logo no início, mas ao assistir, percebi que a descoberta de Elphaba veio tarde demais.
Como espectador frequente do espetáculo “Wicked” na Broadway, fico fascinado em como a lente retrospectiva da história nos faz simpatizar com Elphaba, que eventualmente se torna a Bruxa Má do Oeste.
Sua rica história de vida —ela é uma eterna forasteira e uma pessoa fácil de simpatizar— me forçou a repensar minhas suposições sobre ela e a refletir sobre como aceitei facilmente os próprios preconceitos de L. Frank Baum e sua representação dela como uma vilã em “O Mágico de Oz”.
Mas, ao contrário da versão teatral, que acompanha Elphaba como uma jovem adulta até seu fatídico encontro com Dorothy, o filme mergulha ainda mais na biografia de bruxa. Ele a segue até a Universidade de Shiz, onde acaba dividindo o quarto com sua rival e amiga, a Glinda vivida por Ariana Grande, cuja inveja dos poderes mágicos de Elphaba leva a conflitos.
O filme termina nos pontos culminantes dos personagens. “Se a parte um é sobre escolhas”, disse o diretor Jon M. Chu à Entertainment Weekly, “a segunda será sobre consequências”.
Mas, por enquanto, isso também significa que a história permanece sem resolução. No final da versão da Broadway, há alívio no final surpreendente quando descobrimos que a Bruxa Má era muito mais gentil do que lhe dávamos crédito e que ela desafiou com sucesso o Mágico.
Em vez disso, na tela do cinema, Elphaba é deixada suspensa no ar —em sua vassoura—, transformada em bode expiatório pelo Mágico, papel de Jeff Goldblum, enquanto a professora de Shiz, a Madame Morrible vivida por Michelle Yeoh, cria um alerta falso ao povo de Oz sobre um inimigo que deve ser capturado. Madame Morrible vai longe, proclamando no alto-falante: “Sua pele verde é apenas uma manifestação externa de sua natureza distorcida”.
Com a expulsão de Elphaba no final, você se dá conta que um espetáculo lançado há 21 anos se entrelaça de forma certeira ao momento político atual.
Antes de Gregory Maguire publicar o romance “Wicked”, no qual o musical e o filme são baseados, ele queria escrever sobre a natureza do mal, especificamente as origens da psicopatia de Adolf Hitler.
“Decidi muito rapidamente que não tinha a capacidade intelectual, por assim dizer, para dominar esse projeto em particular”, disse Maguire em uma entrevista de 2009. Então ele refletiu sobre as histórias que moldaram seus primeiros entendimentos de quem é bom e quem não é.
“Me perguntei o que seria mais confortável para mim. Quem mais me assustou na infância e me assusta até hoje? A Bruxa Má do Oeste foi quem me veio à mente.”
Mas os contos de fadas não foram sua única fonte de inspiração. Ele também se baseou em momentos formativos de sua consciência política. “Parte da minha representação do Mágico e parte do meu entendimento sobre a profundidade de sua vilania foi baseada em [Richard] Nixon e suas mentiras, trapaças, espionagem e sua tentativa de subverter a Constituição.”
Como o presidente Richard Nixon, o Mágico de Oz, alimentado por sua paranoia, quer usar vigilantes contra quem considera seu rival. Em “Wicked”, ele se sente ameaçado pelos animais falantes, que agora se reúnem em segredo porque temem que ele acabe com a sua capacidade de se comunicar e os aprisione por sua dissidência política.
Mas, enquanto o Mágico é manipulador em todas as versões da história, o fato de a heroína Glinda se juntar a ele foi ainda mais perturbadora.
Quando Glinda chega à universidade de Shiz, vestida em alta-costura e seguida por bajuladoras, sua obsessão por aceitação social torna ela menos propensa a enfrentar uma autoridade do que a verde intelectual Elphaba.
Mas Glinda também parece evoluir nesta adaptação —ela se torna menos superficial, e também mais bondosa e leal. Como não tem magia própria, ela é uma pessoa comum se comparada à excepcional Elphaba. Não apenas Glinda é mais parecida com o cidadão médio do reino de Oz, como também encoraja aqueles de nós na audiência a nos identificarmos com ela.
Por isso é tão doloroso vê-la aceitar a mão de Madame Morrible no final do filme.
A escolha ecoa a recente eleição presidencial americana, na qual, como minha colega do New York Times Lisa Lerer escreveu, os eleitores do país optaram por colocar o país “à beira de um estilo de governança autoritário nunca antes visto em seus 248 anos de história”.
Em “Wicked: Parte Dois”, que estreia daqui um ano, veremos se Glinda se redimirá e se unirá a Elphaba, ou se rejeitará a repressão do Mágico e de Madame Morrible e o incitamento ao medo populista.
Embora seja muito tempo para esperar que um personagem cresça, é um tempo terrivelmente curto para um deslize rumo à tirania.