Pamela Anderson está apenas começando. É o que vem repetindo a atriz canadense de 57 anos, ex-coelhinha da Playboy e eterna musa do maiô vermelho de “S.O.S. Malibu”, série dos anos 1990.
De voz baixa e suave, quase infantil, Anderson fez a ronda dos eventos da temporada de prêmios de Hollywood e chamou a atenção da crítica nos últimos meses. Foi uma das indicadas ao Globo de Ouro de melhor atriz em filme de drama —quando perdeu para Fernanda Torres— e também estava na disputa do SAG Awards, o prêmio do sindicato dos atores —conquistado por Demi Moore— por seu trabalho em “The Last Showgirl”.
Dirigido por Gia Coppola, o longa, ainda sem previsão de estreia no Brasil, embarca na vida de uma dançarina em fim de carreira, cercada de plumas e paetês dos figurinos extravagantes de um show de Las Vegas. Anderson traz uma performance sensível e eletrizante, em cenas de puro glamour decadente da cidade.
“Não achava que teria mais a chance de fazer algo assim. Foi um grande presente, uma dádiva de Deus, veio na hora certa”, diz Anderson à Folha. “Isso me inspira a pensar que é apenas o começo da minha carreira.”
De fato, Anderson parece viver seus melhores anos. Coincidência ou não, a fase boa deslanchou quando ela resolveu parar de usar maquiagem pesada, em 2023, um ato “meio rebelde e libertador”, segundo ela.
Na sequência, veio o lançamento de um documentário da Netflix sobre sua vida, “Pamela Anderson: Uma História de Amor”, indicado ao Emmy, e ainda um livro autobiográfico, que ficou em segundo lugar na lista dos mais vendidos do The New York Times.
Livre dos olhos esfumados e lábios vermelhos, Anderson se orgulha de exibir suas sardinhas. É como se ela pudesse finalmente mostrar quem é e, ao mesmo tempo, abrir espaço para mergulhar em outros personagens.
“Amo maquiagem, mas usar todo dia é demais”, diz, rindo. “Isso repercutiu nas pessoas porque acho que nessa cultura das mídias sociais, com esses filtros todos, as pessoas se esquecem como realmente são ao se olhar no espelho.”
“Cada um tem que abraçar sua própria jornada de beleza, sem julgamentos. Fazemos escolhas diferentes em épocas diferentes da vida”, continuou. “Para mim, é minha hora de interpretar personagens em filmes em vez de personagens da minha vida pessoal.”
A frase é simbólica: Anderson foi protagonista, sem seu consenso, do primeiro vídeo de sexo de celebridade a vazar na internet, em 1995, ao lado do então marido, Tommy Lee, baterista do Mötley Crüe. A fita havia sido roubada da sua casa durante uma reforma, e o caso praticamente estagnou sua carreira. No ano seguinte, ela lançou seu primeiro filme como protagonista, “Barb Wire”, que lhe valeu a Framboesa de Ouro de pior atriz do ano.
A seguir vieram diversas participações em seriados, muitas vezes fazendo a si mesma ou alguma loira de grandes peitos e poucas capacidades, além de uma lista interminável de reality shows, em especial programas de dança de casal na Argentina, Inglaterra, França e Estados Unidos.
Mas neste renascimento dos anos 2020, Anderson ressurge quase como outra pessoa. Sem o cabelão loiro armado, ela deixa as madeixas claras livres do spray e lembra mais uma diva do cinema europeu. Quando está em casa, numa vila de menos de 9.000 habitantes em Vancouver Island (Canadá), onde nasceu, gosta de passar o tempo no jardim com seus cachorros, cuidando de sua horta e podando flores para arranjos.
Anderson tem mais dois filmes em pós-produção, um deles dirigido pelo brasileiro Karim Aïnouz, chamado “Rosebush Pruning”. O outro é um remake da comédia “Corra que a Polícia Vem Aí” (1988), estrelada ao lado de Liam Neeson.
“Filmar com Karim foi inacreditável, ele é um verdadeiro maestro, tem tanta paixão no que faz. Nunca vi nada assim. Mas, como te falei, estou só começando”, disse a atriz, abrindo um sorrisinho maroto.
“Ele é selvagem, eu amei, foi muito maravilhoso. O elenco é enorme e eu sou apenas uma pequena parte. Adorei o tempo que passamos juntos.”
Já trabalhar em “The Last Showgirl” com Gia Coppola, neta do diretor Francis Ford Coppola e sobrinha de Sofia Coppola, foi uma experiência diferente, mais íntima, por rodarem o filme inteiro em apenas 18 dias. Sua estreia na Broadway em 2022, na produção de “Chicago”, ajudou na preparação física.
“Gia é muito suave e também bem decidida. Mantém seu monitor para si mesma, não precisa escutar ninguém mais”, disse. “Ela tem uma visão singular. Todo mundo trabalha de forma diferente, o que é muito divertido porque traz coisas diferentes em você.”
Anderson é Shelly, uma dançarina que passou os últimos 30 anos fazendo o mesmo show de Las Vegas, Le Razzle Dazzle, uma mistura de cabaré e can-can com fantasias pesadas que, ainda assim, conseguem cobrir pouca coisa. O espetáculo está em sua última semana, e Shelly precisa decidir o que fazer da vida.
A chegada inesperada de uma filha que ela abandonou quando criança provoca expectativas de um recomeço e também lembranças dolorosas das escolhas que ela fez em nome da arte e da carreira.
“Claro que há paralelos com minha vida”, disse Anderson, mãe de dois rapazes com Tommy Lee. “Ter uma criança nesta indústria, especialmente quando você tem uma imagem sexualizada, você não percebe o que está fazendo até eles ficarem mais velhos.”
“Fazendo esse filme, pude colocar tanta coisa de mim, todas as dúvidas, todos os erros, ou seja lá como você quiser chamá-los. São coisas que estavam guardadas dentro de mim e que eu precisava expressar.”
Não que Anderson se arrependa de alguma coisa. “Não acho que poderia ter interpretado Shelly da forma que fiz se não tivesse a experiência de vida que eu tive”, disse. “Então, senti que tudo valeu a pena.”
O elenco de apoio é cativante: Jamie Lee Curtis faz a amiga aposentada dos palcos que agora é garçonete nos cassinos, servindo gente tão alcoólatra quanto ela mesma, enquanto Kiernan Shipka (a pequena Sally de “Mad Men”) é a colega mais jovem do show, pronta para danças mais sensuais dos espetáculos modernos de Las Vegas, para horror de Shelly.
Dave Bautista, mais conhecido pelos papéis de brutamontes, surge dramático e conciso, quase carinhoso, no papel do gerente do Razzle Dazzle.
O ambiente é inspirado no espetáculo “Jubilee!”, um clássico de Las Vegas que fechou as portas em 2016. O roteiro foi escrito por Kate Gersten, que trabalhou nos seriados “The Good Place” e “Mozart in the Jungle”. Ela acompanhou as dançarinas do show e escreveu uma peça em 2011, antes de dar o roteiro para Coppola, que compartilha sua obsessão por Las Vegas.
Num evento em Los Angeles, Coppola contou que costumava atravessar os EUA de carro para ir para a faculdade em Nova York e sempre parava em Las Vegas. “É um lugar estranho, incomum e mágico”, disse Coppola, diretora de “Palo Alto” (2013).
“Tem tanta tristeza. É uma espécie de metáfora para a cultura americana. Mas também tem uma fachada muito brilhante. Eu tirava muitas fotos e me perguntava como é a vida cotidiana aqui? Isso sempre ficou comigo.”
O longa foi rodado em 16 mm, com muitas cenas granuladas e câmeras tremidas porque a luz era pouca, assim como o tempo. As cenas do show, no palco e nos camarins, foram filmadas no Rio Hotel & Casino, antes dos espetáculos de verdade da noite.
“Filme hoje em dia é tão caro. Então tivemos que sacrificar algumas coisas, fazer escolhas criativas. Foi um trabalho de amor”, disse Coppola. O longa também disputa o Globo de Ouro de canção original com “Beautiful That Way”, cantada e coescrita por Miley Cyrus.