Companhia do Latão encena encontro entre um Brasil ingênuo e a violência real


Um ônibus quebrado no interior de Minas Gerais provoca o encontro entre integrantes de uma banda de rock alternativo com a realidade de um Brasil complexo e contraditório. Com essa ideia do dramaturgo e diretor Sérgio de Carvalho, a Companhia do Latão criou o espetáculo musical “A Banda Épica da Noite das Gerais”, em cartaz no Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis, até este domingo (16).

O argumento de Carvalho surgiu a partir de uma experiência pessoal. Em uma viagem pelo interior do Ceará, dois pneus do carro em que estava furaram, e a ajuda veio de um caminhoneiro simpático, que carregava uma arma numa capa de violão e se comportava como se estivesse em um faroeste.

“Ele deu risada da nossa ingenuidade por acreditarmos que se tratava de um violão. O que me interessou foi o desajuste cultural, a diferença de compreensões sobre o Brasil”, diz o diretor.

No espetáculo, o encontro entre os dois Brasis acontece em 1972, nas proximidades do rio Doce, em um cenário marcado por violências históricas contra os povos originários.

Carvalho apresentou a sinopse ao grupo teatral e, entre as referências, sugeriu pesquisas sobre a política global na época, a mineração e o caso do povo Krenak, transferido compulsoriamente do território tradicional às margens do rio Doce para outros territórios indígenas. A criação do espetáculo foi coletiva.

A banda de rock tem uma ideia do Brasil de sonho e de luta. Quando o ônibus quebra, os músicos são obrigados a encarar as coisas como elas realmente são. Os roqueiros encontram uma caminhoneira, a dona de um bar da região, um militar de baixa patente, o funcionário de uma grande estatal e um fazendeiro e lidam com situações que levam a reflexões sobre o papel da arte diante da violência que estrutura o país.

A região do rio Doce foi escolhida principalmente devido ao que Carvalho chama de guerra constante contra os povos originários.

“Quando dom João 6º chega ao Brasil, em 1808, uma das primeiras ações foi declarar guerra de extermínio ao que os portugueses chamavam de bárbaro gentio botocudo, nome dado a grupos que habitavam entre o rio Doce e o sul da Bahia”, diz. “A intenção de controlar o rio se devia aos interesses econômicos ligados à mineração”.

Durante a ditadura militar, outro episódio dessa guerra foi a criação do Reformatório Krenak, que funcionou entre 1969 e 1972, um local de trabalho análogo à escravidão e de violação de direitos indígenas. Havia, ainda, uma guarda rural indígena, treinada para a repressão dos próprios povos originários.

A peça é encenada no momento de desativação do reformatório, que funcionava na região de Resplendor e teve as atividades transferidas para a fazenda Guarani, em Carmésia.

Há referências também à tragédia de Mariana, definida pelo diretor como um símbolo do Brasil atual. “Lama tóxica por 700 quilômetros, 19 cadáveres e não só um grande rio morto, mas um futuro de vida independente que foi cancelado por um ‘progresso’ violento, excludente e reacionário”.

O espetáculo dá continuidade às pesquisas estéticas e políticas da Companhia do Latão, criada em 1997 por Carvalho a partir de estudos sobre a dramaturgia épica e dialética.

A música, presente em todos os trabalhos do grupo, faz parte da narrativa crítica da peça.

“Há muitas camadas sonoras, como o show da banda em tempos históricos diversos, as vozes dos personagens, e outras que surgem como comentário do espetáculo”, explica o diretor.

Desde 2010, com “Ópera dos Vivos”, a companhia pesquisa a cultura e a política durante a ditadura. Dividida em quatro atos e com quatro horas de duração, a peça comparou a produção cultural brasileira da década passada com a dos anos 1960.

Temas como o CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes), o cinema novo, o tropicalismo e a programação da TV foram referências para o trabalho.



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