Música sacra em latim e inglês —esse foi o teor do repertório apresentado pelo Coro da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na Estação CCR das Artes, anexa à Sala São Paulo, nesta terça-feira (25).
O concerto marcou a estreia do britânico Thomas Blunt como novo regente titular do coro, e o primeiro espetáculo de música clássica na nova sala, que havia sido inaugurada há cerca de um mês com um show de música popular.
Ao que se saiba, não havia nenhuma amplificação sonora prevista para o concerto, embora, em alguns momentos, vozes solistas tenham se projetado de uma forma um tanto artificial diante da timbragem de seus respectivos naipes.
Foi possível ouvir tudo com clareza —o que não é pouco— e já dá para dizer que a nova sala terá uma função importantíssima na cidade, mas cabe também ressaltar que ela tem elementos de distração, especialmente visuais.
A parede de vidro, com as cortinas abertas, permite ver todo o movimento de funcionários, bem como o público chegando —muita gente se atrasou, já que, neste ano, o horário das apresentações noturnas, inclusive as da orquestra, foi puxado de 20h30 para 20h.
Percebe-se o rigor de Blunt com a afinação e, a escolha de repertório —com muitas obras da renascença— pareceu apropriada a este início de trabalho. Mas alguns cuidados, principalmente fraseológicos, são ainda necessários aprimorar na passagem dos trechos solistas aos “tutti”, momentos em que alguma instabilidade se insinuou.
A renascença inglesa apareceu —não só em inglês, mas também em latim— com William Byrd, um católico atuante no mundo anglicano contemporâneo de Shakespeare, e Orlando Gibbons. “Laudibus in Sanctis”, de Byrd, foi um dos pontos altos da noite.
Mas nada foi tão interessante como ouvir com atenção a renascença portuguesa dos até recentemente pouco conhecidos compositores Duarte Lobo, Manuel Cardoso e Pedro de Cristo, que escreveram música sacra em latim nos tempos de Camões.
Quando se passa do mundo britânico, predominantemente anglicano, para o católico lusófono, muda por completo o sentido da música sacra. O ambiente protestante “clean”, com suas construções cercadas por gramados perfeitos, dá lugar àquela madeira gasta das igrejas católicas, com suas imagens envelhecidas, e que abrigam um mistério mais rústico, no qual o entrelaçamento de vozes tem outro teor emotivo. A “Lamentatio” de Cardoso —outra interpretação de destaque da noite— está mais próxima dos mestres franco-flamengos do contraponto do que da renascença italiana.
Apesar de ter o seu coração no renascimento, o programa abriu e fechou com música sacra inglesa e brasileira do século 20. A apresentação começou com o “Magnificat” (1982), peça de caráter modal de Giles Swayne, autor de 78 anos, e seguiu com uma obra composta em 1915 por Gustav Holst, ambas em latim, assim como também foram cantadas em latim as duas composições do brasileiro Aylton Escobar, de 81 anos.
Escobar, que estava presente na plateia, teve parte de sua obra coral registrada pelo próprio Coro da Osesp, então dirigido por Naomi Munakata, em um álbum lançado em 2012.
Dele o coro interpretou “Ave Maria” (1965) e o “Agnus Dei” da “Missa Breve” (1964). Nesta última peça, um belíssimo efeito integra, no final, a melodia de caráter gregoriano, cantada pelos tenores a uma preciosa nota longa sustentada pelo naipe de sopranos.
O final do programa trouxe os “Cinco Spirituals” do oratório “Uma Criança do Nosso Tempo”, de Michael Tippett, em que sobressaiu o “Go Down, Moses”.
No ano passado, o Coro da Osesp completou 30 anos de existência. Depois do longo período em que foi dirigido por Munakata (1995-2015), teve um segundo período de excelência com a regente italiana Valentina Peleggi (2017-2019). Embora não tenha ocupado a função de regente titular, William Coelho trabalhou com o grupo durante os últimos cinco anos, tendo deixado igualmente um importante legado.