O Marvel Studios tem lá a sua cota de boas ideias, mas uma delas com certeza não é a de abrir 2025 com um thriller político sobre o presidente dos Estados Unidos. Pelo menos na estreia, a sessão de “Capitão América: Admirável Mundo Novo” tem um quê de surreal diante do momento político vivido pelos americanos.
Enquanto o país passa por dias de caos no início do segundo governo de Donald Trump, o novo filme do estúdio traz uma versão ficcional do chefe do Executivo ao centro do seu universo de super-heróis. O personagem, no caso, é o general Thaddeus Ross, antagonista resgatado da continuação anterior da série, “Guerra Civil”, de 2016.
A plataforma eleitoral de Ross, que abre o longa, foi pensada em cima da promessa de união diante de ameaças externas, sobretudo diante dos efeitos da guerra de Thanos contra os Vingadores.
Já a história é engatilhada por uma tentativa de assassinato do presidente durante um evento com oficiais de outros países, o que desperta questões sobre a sua capacidade de liderança. Ross tem experiência de guerra, afinal, e ficou conhecido pelos seus frequentes acessos de raiva —algo que ele agora tenta controlar.
É difícil não pensar em Trump durante o filme, mesmo sabendo que a produção começou as gravações em 2023, muito antes das últimas eleições americanas. Diante disso, o timing do longa é no mínimo equivocado, criando paralelos políticos a torto e direito.
Mas “Admirável Mundo Novo”, o filme, também não ajuda. De admirável, o quarto “Capitão América” tem nada.
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A continuação é um resto de filme perdido na máquina de produção da Marvel, resultado de diversas refilmagens e da sanha do estúdio em manter colado o seu universo de personagens. Essa colagem de títulos beira ao absurdo aqui, lembrando muitas vezes a bagunça generalizada de “As Marvels”, de 2023.
Um exemplo disso é que parte da premissa está ligada ao desfecho do filme “Eternos”, de 2021, enquanto o protagonista vem da série “Falcão e o Soldado Invernal”, do mesmo ano. Mas uma boa porção dos personagens na trama é reciclada do filme “O Incrível Hulk”, de 2008, com um rescaldo das situações vistas em “Guerra Civil”.
O filme existe em algum lugar nessa bagunça, tendo à frente Sam Wilson, papel de Anthony Mackie. O antigo Falcão assume de vez o manto do Capitão América na história, que se vale das crises do personagem com essa nova posição.
Primeiro porque Wilson decide colaborar com o presidente, mesmo o oficial tendo o aprisionado no filme anterior —seria para dar esperança ao povo, diz o herói no começo.
Depois, o Capitão se rebela da posição para salvar um amigo manipulado no atentado e descobrir a verdade por trás do crime. Nisso ele se vê fragilizado, até por não ter os poderes do antecessor do manto, e em algum momento isso vira um problema —”me sinto pequeno”, confessa o protagonista lá para o final.
A responsabilidade vai pesando em Sam Wilson diante dos riscos da história, que dá voltas na paranoia política. Enquanto o presidente luta para garantir um acordo de exploração de um novo metal valioso, o filme tenta renovar o Capitão América como símbolo de paz diante da política internacional.
Isso é uma bela ladainha mesmo para os padrões da série, que nos últimos dois filmes fez questão de mostrar um Capitão insurrecionista. A ideia azeda ainda mais quando se nota que a continuação é uma cópia carcomida da intriga política de “O Soldado Invernal“, o segundo longa da franquia —ele até mesmo cria herdeiros do Falcão e da Viúva Negra para acompanhar o protagonista na aventura.
Com uma trama que gira em falso, um protagonista que não diz a que veio e cenas de ação montadas de qualquer jeito, o que sobra no filme é a figura do presidente Ross. A presença de Harrison Ford no papel —substituindo William Hurt, morto em 2022— é um bônus, mas o personagem em si intriga pelas inevitáveis conotações com a realidade.
Na falta de um Capitão América mais interessante, Thaddeus Ross é o verdadeiro chamariz de “Admirável Mundo Novo”, e a sensação é a de que o estúdio percebeu isso. Todo o clímax do filme, que desemboca no presidente virando um Hulk, está ligado à ideia de que o personagem possa ou não ser digno de redenção, algo mediado no combate final com o herói.
O que deixa tudo isso intrigante não é o filme, mas de novo o timing da alegoria política. Com uma produção tão turbulenta, com muitos roteiristas e refilmagens, o presidente da ficção virou uma amálgama esquisita do antes e depois das últimas eleições americanas.
O arco do personagem lembra muitas vezes Trump, em especial quando fica irascível, mas algumas horas dá para ver um tanto do ex-presidente americano Joe Biden na atuação de Ford. Sobretudo nos vislumbres de sua vida pessoal, com sua indecisão e a relação ruim com a filha guiando parte da trama.
Já o filme, em si, paga de ingênuo. A resolução para o conflito com Ross é risível, quase respondendo a questão sobre o presidente com a esperança panfletária de uma canção como “We Are the World”. O que é ótimo, não me entenda mal. Nesse momento, a continuação lembra o público que a sua profundidade política é do tamanho de uma piscina infantil.