o Brasil está entrando em um ciclo perigoso de preços baixos


A redução de 3,04% no IC-Br divulgada pelo Banco Central não é um problema estatístico: é um aviso. O principal indicador de preços das commodities exportadas pelo Brasil mostra que a remuneração internacional está caindo justamente quando o custo interno está subindo.

Para um país que depende do agro, da mineração e da energia para gerar renda e superávit comercial, isso é perigoso. No agronegócio, o segmento mais sensível ao movimento, o índice agropecuário despencou 5,43% em novembro. É um recuo forte, que pega o produtor descapitalizado, endividado e enfrentando juros altos.

O alerta está dado.

A história nos ensina o caminho do prejuízo
Os ciclos de commodities sempre seguem a mesma lógica:

Quando os preços sobem, aumentam a renda, investimento e capacidade de pagamento.

Quando caem, os custos permanecem, as dívidas crescem e a margem some.

O comportamento das commodities segue um padrão recorrente observado há mais de 125 anos (analisados): ciclos de baixa comprimem margens, aumentam o peso do crédito e promovem uma transferência estrutural de renda do produtor para o sistema financeiro. O movimento recente do mercado sugere que esse mecanismo histórico pode estar sendo reativado.

A conta já não fecha, e se nada for feito, 2026 pode ser um ano de forte aperto.

Por que a queda do IC-Br preocupa agora
Diferente de anos anteriores, o produtor entra nessa fase com:

  • endividamento recorde,
  • inadimplência em alta,
  • Selic a 15%,
  • câmbio menos favorável,
  • mercado internacional desaquecido,
  • supersafras pressionando preços em dólar,
  • e custos internos ainda elevados.

É a combinação mais perigosa possível: preços caindo + crédito caro + renda comprimida.

Esse é o tipo de movimento que historicamente empurra produtores para renegociação de dívidas, venda de ativos e descapitalização generalizada.

Pode surgir uma crise de preços? Sim, e o risco é crescente
A queda do índice pode ser o início de um fenômeno maior, alimentado por:

  • Desaceleração global (China, Europa e EUA).
  • Alta oferta de alimentos e minerais no mundo.
  • Dólar fraco, que reduz a receita em reais.
  • Tensões geopolíticas e instabilidade comercial.
  • Incerteza fiscal no Brasil, que mantém juros nas alturas.

Nada disso é rápido de resolver. Por isso o IC-Br funciona como termômetro adiantado.
E ele está esfriando.

O que fazer agora para amenizar os efeitos, ações urgentes e práticas

  1. Para o produtor rural e exportador
    a) Travar preços enquanto há liquidez
    Usar mecanismos de hedge, barter e contratos antecipados para fixar margens antes que o ciclo se deteriore mais.

b) Reavaliar custos fixos e operacionais
Cortar despesas que não geram retorno imediato e renegociar contratos de insumos, frete e armazenagem.

c) Alongar e reestruturar dívidas enquanto ainda é possível
Antes do pico da crise, as instituições financeiras negociam melhor.
Depois, a taxa piora.

d) Priorizar fluxo de caixa em vez de expansão
Momento é de proteção, não de alavancagem.

e) Apostar em agregação de valor e processamento
Que transforma grão em proteína, fruto em polpa, leite em derivados…
…sofre menos com preços internacionais.

2- Para o setor público
a) Criar linhas emergenciais anticíclicas de crédito
Taxas abaixo da Selic, carência estendida e foco no custeio da nova safra.

b) Reforçar o seguro rural e ampliar subvenção
Menor dependência de renegociação e maior estabilidade de renda.

c) Estabelecer instrumentos de garantia de preços mínimos
Gatilhos automáticos para proteger pequenos e médios produtores.

d) Destravar logística e armazenagem
Quanto mais o Brasil depende de exportar na “janela”, mais vulnerável fica ao preço internacional.

e) Previsibilidade tributária
Evitar novos impostos sobre exportação, sobre LCAs ou sobre insumos.

  1. Para cooperativas e setor privado
    a) Criar programas coletivos de hedge
    Facilitam acesso para pequenos e médios produtores.

b) Ampliar serviços financeiros próprios
Cooperativas fortes reduzem a dependência dos grandes bancos.

c) Investir em marketing e nichos de exportação
Prêmios de qualidade geram proteção contra volatilidade.

Ainda dá tempo de evitar o pior
A queda do IC-Br é um aviso claro: está começando um novo ciclo de pressão sobre os preços. E como sempre aconteceu na história, se nenhum movimento for feito, quem paga a conta é o produtor rural, enquanto o sistema financeiro protege sua margem, ou seja, renda saindo do campo e indo para o sistema financeiro,

Mas, ao contrário de crises anteriores, hoje sabemos o que fazer:

  • proteger caixa,
  • travar preços,
  • reduzir risco financeiro,
  • e exigir políticas anticíclicas que não deixem o setor produtivo sozinho.

O Brasil não pode repetir a velha fórmula de “lucro na alta, prejuízo na baixa”.
É hora de agir, antes que a queda das commodities vire uma crise de renda no campo.

Miguel DaoudMiguel Daoud

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


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