Brasil não pode entregar o maior porto da América Latina a um clube fechado


Um projeto bilionário parado por uma escolha simples. O Terminal de Contêineres STS10, no Porto de Santos, é o maior projeto de infraestrutura portuária do país desde os anos 1990. Não se trata apenas de licitar mais uma área: estamos falando de um terminal que pode aumentar em até 50% a capacidade de contêineres do porto, destravar gargalos que custam US$ 21 bilhões por ano ao Brasil e recolocar Santos na rota dos grandes hubs internacionais.

Mas o que deveria ser uma disputa global virou uma novela burocrática. O TCU, corretamente, pediu mais rigor nas análises. O problema não é a fiscalização; é a falta de clareza sobre uma pergunta fundamental:

O Brasil quer um leilão competitivo ou quer repetir o oligopólio que domina Santos há décadas?

Hoje, quatro grupos – MSC, Maersk, CMA CGM e DP World – controlam mais de 80% da movimentação de contêineres no porto. Se o leilão do STS10 permitir apenas esses incumbentes, teremos apenas um rearranjo de peças dentro do mesmo tabuleiro. O país ganhará pouco. O porto, menos ainda.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) defendeu um modelo que prioriza novos entrantes na primeira fase, deixando os gigantes participarem apenas se ninguém aparecer. O TCU, porém, identificou inconsistências jurídicas e regulatórias, e apontou o caminho: um leilão aberto, mas com mecanismos de desinvestimento para evitar concentração.

É aí que entra a disputa real.

  • Os atuais operadores querem leilão aberto, sem restrições.
  • Os novos potenciais entrantes querem a fase exclusiva, para não disputarem com gigantes que dominam toda a cadeia.
  • O governo oscila entre modelos, influenciado por pressões políticas, disputas internas e alertas internacionais.

O TCU virou o árbitro de um jogo que não deveria existir: a lógica do mercado deveria resolver, se houvesse condições iguais.

O Porto de Roterdã, nos Países Baixos, já deixou claro: investidores globais não entrarão em leilões com regras obscuras. E se o Brasil quer ampliar acordos com a Europa, destravar o acordo Mercosul–UE e atrair capital asiático, precisa provar que sabe fazer licitações transparentes.

Aqui está o ponto central da minha opinião:

O STS10 não pode ser decidido para proteger incumbentes, muito menos para agradar governos anteriores ou atuais. O terminal deve ser usado como vitrine internacional da nossa capacidade de atrair novos players.

Se o terminal for entregue aos mesmos quatro gigantes que já estão em Santos, teremos:

  • Planos de investimento mais conservadores
  • Menor inovação tecnológica
  • Menor pressão por redução de custos logísticos
  • Menor disputa por grandes contratos de exportação

É a velha lógica do mercado concentrado: quem já domina não tem incentivo para correr.

Agora, imagine o contrário.

Se o país abre a porta para novos operadores globais:

  • O porto ganha novas tecnologias e novas rotas internacionais.
  • Exportadores — inclusive o agronegócio — ganham mais opções e fretes mais competitivos.
  • O Brasil reduz sua dependência logística justamente no momento em que cadeias globais estão sendo redesenhadas.

Em outras palavras: concorrência no STS10 significa competitividade para o Brasil inteiro.

O tribunal sabe que o tema está contaminado por política: o projeto nasceu no governo Bolsonaro, foi reformulado no governo Lula, e hoje virou campo de batalha entre ministérios, Antaq e lobby portuário.

Mas há um ponto incontornável:

O interesse público exige um leilão aberto, competitivo e com regras claras de desinvestimento.

Qualquer modelo que limite a entrada de concorrentes, mesmo que com boa intenção, reforça o oligopólio atual.

E o Brasil já pagou caro demais por falta de competição: dragagens atrasadas, filas recordes, e perdas bilionárias em exportações.

Se o TCU der aval em dezembro, o leilão pode ocorrer ainda este ano. Se não der, corremos o risco de empurrar o STS10 para 2026 ou até 2027, um atraso devastador para quem depende de logística eficiente.

O país tem diante de si duas escolhas:

  • Abrir o jogo, atrair novos jogadores e transformar Santos em um hub global moderno.
  • Ou repetir o modelo de sempre, entregando um terminal bilionário a quem já domina tudo.

A primeira opção fortalece o Brasil. A segunda fortalece apenas meia dúzia.

O STS10 é mais do que um terminal: é um teste de maturidade institucional.

O Brasil tem a chance de provar que sabe fazer concorrência séria, atrair capital internacional e romper com um modelo portuário engessado. Mas isso exige coragem regulatória.

Se o TCU escolher o caminho da abertura, e não o da conveniência, Santos poderá ganhar o impulso que precisa. Se não, seguiremos no mesmo porto, com os mesmos donos, repetindo os mesmos problemas.

Miguel DaoudMiguel Daoud

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


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