Esqueça os gritos agudos e os sons guturais que se sucediam nas aberturas da primeira e da segunda temporada de “The White Lotus“. Ao retornar para seu terceiro ano, o hit da HBO dispensou a estranha música que ganhou boates pelo mundo e encomendou um tema que casasse melhor com um dos elementos centrais dos novos episódios.
Enquanto os tambores da vinheta da primeira temporada evocavam a ideia de poder e controle, a delicada harpa da segunda seduzia o espectador rumo a uma trama voltada a sexo e desejo. Agora, instrumentos como cítaras e variações da flauta anunciam o plano espiritual de “The White Lotus”, uma temática inédita na obra criada por Mike White.
Na leva de episódios que estreia neste domingo (16), a Tailândia surge como cenário e os fortes laços do país com o budismo, como a linha que costura os dramas, as ambições e os delírios dos hóspedes da vez.
É a aproximação daquela religião, praticada por cerca de 92% dos tailandeses, que leva um dos núcleos protagonistas àquele resort da luxuosa e ficcional rede que batiza a série. A filha quer aprofundar seus estudos em teologia –o pai empresário, então, leva toda a família para um bangalô cercado por árvores, piscinas e tratamentos de spa.
No barco que os leva até a ilha onde a trama se passa estão ainda um casal formado por uma garota excessivamente apaixonada e um homem mais velho e mal-humorado e um trio de amigas americanas que, após anos distantes, marcam uma viagem para se reconectar –e para comparar quão bem sucedidas e belas estão, agora na idade da loba.
Aulas de ioga, massagens relaxantes e visitas a templos budistas se alternam com as picuinhas e os perrengues chiques dos milionários que povoam a nova temporada, o que inclui uma investigação do fisco americano, rivalidade feminina, abuso de ansiolíticos e uma tensão entre irmãos com uma estranha energia sexual.
“O Mike [White] deixou muito claro que queria se dedicar não apenas às ideias de morte e espiritualidade, mas também à identidade. O que forma a nossa identidade, como ela muda com o passar do tempo, o que se pode ganhar ao deixar parte dela para trás”, diz Carrie Coon.
Ela viu nas gravações, que só começaram depois de a equipe receber uma bênção num dos maiores templos da ilha de Koh Samui, uma oportunidade para se reconectar com a própria espiritualidade. Nos seis meses seguintes, ela diz ter se dedicado com afinco à meditação.
“Esses personagens todos estão passando por algum tipo de sofrimento, e a crença na impermanência da vida, um conceito do budismo, pode ser muito poderosa”, afirma ainda, em referência à ideia de que tudo na vida é transitório e que o materialismo pode ser a causa da nossa dor.
A camada espiritual é o que ajuda “The White Lotus” a não cair no marasmo. Uma antologia –ou seja, uma série que, a cada temporada, tem uma nova trama e novos personagens–, a produção chega ao terceiro ano com uma fórmula já consolidada e premiada, com 15 vitórias no Emmy.
Casais fora de sintonia, uma morte misteriosa, o abismo que separa classes sociais e um belo bufê de café da manhã são os ingredientes da sátira sobre os super-ricos. E, num mundo governado pelos caprichos de bilionários como Elon Musk e Donald Trump, o espectador parece cada vez mais interessado em vê-los em apuros.
“Tradicionalmente, nós sempre gostamos de ver que os ricos não têm vidas perfeitas, que eles também enfrentam problemas”, diz Jason Isaacs, que vive um todo-poderoso do mercado financeiro que vê sua conta bancária em risco no meio das férias paradisíacas com a família.
“Mas em anos recentes a distância entre ricos e pobres foi escancarada, a ponto de termos milionários comandando países. Produções como essas nos dão a sensação de haver algum tipo de justiça natural neste mundo, de que eles também podem estar por baixo”, completa, com uma leitura sobre o carma.
Nos últimos anos, além de “The White Lotus”, o sofrimento da porção mais privilegiada do planeta catapultou “O Menu”, “Parasita“, “Triângulo da Tristeza“, “Entre Facas e Segredos“, “Succession” e outros para popularidade equivalente.
Como vem apontando a crítica internacional, “The White Lotus” pode até soar repetitiva e arrastada, mas tem em seus bons diálogos e no afinamento de seu elenco rotativo o trunfo que mantém a série como uma das joias da coroa da HBO.
Numa das conversas mais divertidas dos novos episódios, as três amigas vividas por Coon, Leslie Bibb e Michelle Monaghan jantam à luz de tochas, com taças de vinho se equilibrando em suas mãos já trôpegas, até que o nome de Trump surge na roda. Deve ser horrível para você estar no Texas num momento como este, dizem as amigas que moram em Nova York e Los Angeles.
“As coisas não ficam estranhas entre você e as pessoas com quem convive?”, perguntam. “Por que ficariam?”, responde a outra, atônita. Aos poucos, a ideia de que a amiga de longa data se tornou republicana vai assentando, desenhando olhares comicamente desesperados nos rostos liberais de Coon e Monaghan.
E há, também, as situações mais trágicas entre o staff daquele resort luxuoso. No quadro de empregados está Belinda, personagem de Natasha Rothwell que esteve na primeira temporada e, na nova narrativa, deixa o Havaí rumo à Tailândia para um intercâmbio cultural sobre técnicas de massagem.
Talentos locais se juntam a ela, como Lalisa Manobal, ou simplesmente Lisa, do megagrupo de k-pop Blackpink –ela é tailandesa, apesar de integrar um dos maiores fenômenos musicais da Coreia do Sul–, e Patravadi Mejudhon, veterana dos palcos e das telas em seu país natal.
Apesar de menos expressivos, seus papéis ajudam a série a driblar críticas como as recebidas na primeira temporada, que teria se igualado ao comportamento colonialista de seus personagens americanos e brancos ao se aproveitar da cultura havaiana sem se aprofundar nela.
Mas ninguém está a salvo em “The White Lotus”. Novamente repetindo seus ingredientes, todos que habitam a dramédia de Mike White têm segredos e podres a esconder. Como diz uma das novas personagens, em meio a um torpor medicamentoso, “só porque uma pessoa é rica, não significa que ela não seja um lixo como as outras”.