O longa “Setembro 5“, dirigido por Tim Fehlbaum, trata de um acontecimento traumático da história: o sequestro de 11 atletas israelenses pela organização terrorista Setembro Negro, durante os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique. A organização pediu em troca dos onze reféns a libertação de 200 prisioneiros palestinos.
Com esse tema, lançado neste momento turbulento da história e da relação entre Israel e Palestina, o filme já nasce sob a sombra de um certo oportunismo, e não raro é considerado peça de propaganda, embora esta seja uma visão um tanto exagerada do que o filme apresenta de fato. Exagero também é falar que só há dois lados nessa história.
Um cientista político, um historiador ou um correspondente internacional pode até ter seu lado e deixá-lo claro. Um crítico de cinema, contudo, ao menos enquanto analisa o filme, só tem uma obrigação: a de estar do lado do cinema. Ele não fica impedido de se manifestar politicamente, mas o faz por sua conta e risco. Não é esta sua função.
Da mesma forma, ainda que sobre um assunto bem menos sério, um comentarista esportivo torcedor do Corinthians deve ter a liberdade para criticar seu time, ou reconhecer os méritos do maior rival, impedindo que seu lado torcedor prevaleça.
Deixando para trás esse cipoal, vamos ao filme. O acontecimento de 52 anos atrás teve um tratamento atualizado, e por isso “Setembro 5” é um dos indicados ao Oscar de melhor roteiro original na cerimônia que iremos acompanhar no próximo 2 de março.
Na trama, uma unidade de esportes da ABC está encarregada de transmitir os jogos para os EUA. Foi muito propagada a participação de atletas israelenses num evento na Alemanha e o país anfitrião fez todos os esforços possíveis para se mostrar renovado, isento da praga nazista e cuidadoso na reparação do holocausto.
Peter Sarsgaard, nome mais conhecido de um elenco cheio de talentos, é Roone Arledge, presidente da ABC Sports, o responsável maior pela escolha da imagem que irá ao ar em cada momento, das orientações para a cobertura televisiva como um todo.
John Magaro, mais conhecido ultimamente por ser o marido sensível de “Vidas Passadas“, é Geoff Mason, o chefe da sala de controle. Ben Chaplin é Marvin Bader, chefe de operações da ABC Sports. Leonie Benesch, de “A Sala dos Professores“, é Marianne Gebhardt, a intérprete alemã.
No começo, o filme procura atenuar as possíveis tensões, mostrando o desejo dos alemães pela união em torno dos esportes e a disposição dos atletas israelenses em conversar e competir em harmonia tanto com alemães quanto com libaneses.
Na ABC também há tensões dissipadas, entre a tradutora alemã e um editor judeu, por exemplo, ou entre um eletricista alemão e um operário francês. Elas insistem em ressurgir durante alguns diálogos, para nos lembrar sempre dos traumas passados.
Nessa procura por equilíbrio e isenção, o filme corre o risco de desagradar muita gente. A única personagem plenamente positiva do filme é Marianne. Todos os demais são oportunistas, carreiristas, grosseiros. Ou não têm tempo de tela o suficiente para formarmos uma opinião a respeito.
Fora do estúdio, contudo, deu-se a operação do Setembro Negro e o sequestro dos atletas israelenses. A equipe de TV ouve tiros do lado de fora. Eles ficam sabendo do ocorrido pelo cerco policial à Vila Olímpica. A tensão agora adquire outra feição.
Talvez a equipe de esportes, que acompanhamos desde o início, não esteja apta a cobrir o caso. Os superiores ameaçam deixar a cobertura a cargo do setor de jornalismo. A luta da equipe chefiada por Arledge passa a ser mostrar que é capaz de deixar a cobertura dos jogos e começar a cobrir o desenrolar do sequestro.
Há, por exemplo, um diálogo telefônico entre um chefão da TV e a equipe de esportes, em que o primeiro alerta a equipe para tomarem cuidado com o termo terrorista, pois era muito cedo para se afirmar tal coisa e que ninguém sabia direito o que estava acontecendo.
Tim Fehlbaum procura estabelecer um ritmo ágil por meio de cortes insistentes e uma câmera nervosa, que se movimenta o tempo todo, embora nem perto de ser irritante como a de um Paul Greengrass.
Nem sempre funciona essa estética da pressa. Na maior parte do filme, porém, é eficiente para captar a atmosfera de tensão de um evento sob constante ameaça.