“Se suas fotos não são boas o suficiente, é porque você não chegou perto o suficiente”, era a máxima do húngaro-americano Robert Capa, um dos mais celebrados fotógrafos de guerra da história.
A série “Câmera entre Balas” acompanha oito respeitados fotojornalistas que chegam visceralmente perto da miséria humana para registrar imagens indeléveis de conflitos.
Entre os retratados na série, disponível na Max, estão três grandes fotojornalistas brasileiros —Felipe Dana, vencedor do Prêmio Pulitzer, Adriana Zehbrauskas, ganhadora do prêmio Maria Moors Cabot, e Gabriel Chaim, que ganhou dois Emmy Awards.
Para mostrar a rotina de trabalho dos jornalistas que cobrem situações extremas, a série passa pelas guerras de Síria, Iraque e Ucrânia, o conflito armado no Rio de Janeiro e a fronteira entre México e Estados Unidos.
Mas o grande desafio é mesmo entender a motivação de quem está por detrás da câmera.
“Todos compartilham um traço comum —o senso de propósito. Sem ter esse comprometimento, essa missão, não conseguiriam fazer esse trabalho”, diz a diretora da série, Tatty Vianna. Um dos primeiros curtas de Viana foi sobre os ataques de 11 de Setembro em Nova York pelas lentes de fotógrafos da agência Magnum.
Segundo a diretora, alguns fotógrafos já têm um discurso pronto. Outros acabam revelando suas fragilidades, as cicatrizes de suas vidas como testemunhas de tragédias.
“Eu volto (para casa) abalado na maior parte das vezes…mas aí vejo pessoas sobrevivendo em situações horríveis, e penso como sou um cara de sorte”, diz na série Dana, que fez parte da equipe da Associated Press que venceu o prêmio Pulitzer em 2023 pela cobertura da invasão da Rússia na Ucrânia. “Tinha momentos em que, literalmente, todos os dias em que eu saía, eu só via gente morta (na Ucrânia)…. As únicas fotos que eu tinha eram de gente morta.”
Dana, que está na AP desde 2009, cobriu a ofensiva em Mosul, no Iraque; a guerra contra o Estado Islâmico na Síria, o conflito em Gaza e na Líbia e a volta do Taleban ao poder no Afeganistão.
Mas foi em sua cidade natal, no Rio de Janeiro, que ele começou a fotografar conflitos, durante a ocupação do Exército na Rocinha.
Dana sempre volta ao Rio para registrar imagens do conflito armado entre a polícia e o narcotráfico –e os impactos sobre os civis. “É muito diferente das guerras declaradas do Oriente Médio, mas existem muitas semelhanças também.”
A paulista Adriana Zehbrauskas também começou a fotografar em sua cidade natal –seu primeiro emprego em jornalismo foi na Folha, onde trabalhou de 1994 a 2002. Segundo Zehbrauskas, o jornal foi sua “grande escola”.
Hoje, a fotojornalista contribui para diversos veículos, entre eles o New York Times, Guardian, CNN e Washington Post, com coberturas sobre migração, religião, direitos humanos e violência ligada ao tráfico de drogas na América Latina.
A cobertura sobre migração, tráfico e pobreza está entre as mais perigosas do jornalismo. Depois de Gaza, o México é o local onde mais morrem jornalistas.
“Cresci muito como jornalista ao retratar as pessoas que são vítimas dessa violência, sempre com o cuidado de fazer um jornalismo responsável, com muito respeito às vítimas e familiares. E aprendi a dar muito valor para a imprensa local, é a que mais sofre retaliações”, diz Zehbrauskas, que começou a cobrir migração e narcotráfico no México em 2005.
O paraense Gabriel Chaim ficou conhecido por suas impressionantes imagens de drone, além de vídeos e fotos em zonas deflagradas na Síria e no Iraque. Na série, ele reflete obre os obstáculos que teve de superar para sair de Belém, onde teve uma infância pobre, e tornar-se um celebrado fotojornalista.
Ao falar sobre os riscos que encara em seu dia, Chaim não transparece emoções. “O que significa estar dentro de um campo de guerra? Tudo, toda a minha vida. A única coisa que eu sei fazer é cobertura de conflitos”, diz. “Para pessoa se autodenominar fotógrafo que cobre conflitos, ele tem que se sujeitar a colocar sua vida em risco. Caso contrário, ele está longe de ser. Se ele não sentir o cheiro do perigo, o cheiro da poeira de um front…”, diz o fotojornalista no episódio que abre a série.
Chaim reflete também sobre a vida ingrata dos fotógrafos de guerra freelancers.
“Quando vamos vender algo para TVs, agências, eles dizem: por favor, não corra riscos. Mas se você não entrega algo pesado suficiente, eles dizem: poxa, cadê o tiroteio nesse front? Você tem que estar lá, fazer a matéria, pegar o mais pesado de tudo para que seja notícia e você consiga vender.”
Todos compartilham a frustração de, muitas vezes, o trabalho de denúncia não mudar a situação das pessoas no território.
Zehbrauskas tentou “devolver” algo para seus retratados com o projeto Family Matters. No projeto, ela faz retratos de membros de famílias que vivem à beira de desaparecimento forçado, em áreas dominadas pelo narcotráfico, imprime as imagem e as presenteia aos retratados. “Foi minha maneira de dar algo em troca, de agradecer a confiança, hospitalidade e gentileza de tantas pessoas que contaram suas histórias, abriram suas vidas, me deixaram entrar em suas casas”, diz. “Era como se eu dissesse: olha, não posso prometer que meu trabalho vai mudar sua vida, mas posso prometer uma fotografia, um presente em forma de memória.”
Nessa tentativa de devolver algo para os retratados, Dana criou um vínculo com Natália, uma usuária de drogas que ele fotografou dez anos atrás. Na época, Natália era menor e as fotos tiveram enorme repercussão.
“Sempre que volto ao Rio, tento encontrá-la para ver como ela está e fazer um acompanhamento fotográfico”, conta. Segundo ele, a ideia era fazer fotos de Natália em outra vida, em uma condição melhor. Nas últimas vezes, infelizmente, isso não aconteceu.
“Na cracolândia, não vejo impacto [do meu trabalho] na vida das pessoas. Eu volto e está tudo igual”, diz. “Até por isso acompanho trabalho de pessoas que vêm aqui [na cracolândia] e tentam ajudar.”