Dia: 20 de março de 2025

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Chocada, impressionada, com a pulga atrás da orelha. Assim eu devorei os quatro episódios da minissérie britânica “Adolescência”, que a Netflix estreou sem muito alarde na semana passada.

Alarde próprio, porque a crítica especializada já vinha há alguns dias fazendo barulho, rasgando elogios à narrativa brutal e formalmente ousada do programa que conta, em quatro capítulos, a história de Jamie (Owen Cooper), 13, acusado de assassinar uma garota.

Cada episódio é formado por uma única grande sequência ininterrupta —o famoso plano-sequência—, filmado sem cortes como um ato de uma peça de teatro, mas que viaja de carro e corre por quarteirões.

Porque a série não me saiu da cabeça, e porque aspectos dela me lembraram de outros programas e filmes, este é o tema da semana: onde ver mais do que “Adolescência” mostra.

COM UM BAITA PLANO-SEQUÊNCIA

Athena (2022)

Netflix, 97 min.

Um exemplo recente de uma longa sequência sem cortes filmada com ousadia e um resultado chocante é a cena de abertura do francês “Athena”, de 11 minutos de duração.

O filme trata de uma revolta popular num complexo habitacional na periferia parisiense, após a morte de um garoto pelas mãos de policiais. A cena começa em frente a uma delegacia, durante uma entrevista coletiva que logo é interrompida por um coquetel molotov. O bando de revoltosos vandaliza o posto policial, rouba armas e foge em vans e motos, sem que a câmera jamais deixe o seu lado.

A própria Netflix tem um making of de 37 minutos sobre a filmagem e todo o planejamento exigido do diretor Romain Gavras e de sua equipe, que vale muito ver após o longa.

COM A MESMA EQUIPE CRIATIVA

O Chef (2021)

Boiling Point. Filmelier+ e Prime Video (aluguel), 95 min.

Procurando saber mais sobre a parceria entre Stephen Graham —que além de interpretar Eddie, pai de Jamie, em “Adolescência”, é cocriador do seriado ao lado de Jack Thorne— e o diretor Philip Barantini, encontrei este filme de 2021.

Assim como os episódios da minissérie, “O Chef” é dirigido por Barantini e filmado em um longo take, sem cortes. Retrata uma noite em um restaurante em Londres, após o local ter a nota rebaixada pela Vigilância Sanitária e uma combinação de outros problemas empilhar estresse em cima de estresse nos ombros do chef Andy Jones (Graham). Teve uma série-sequência depois, mas esta não está disponível no Brasil.

COM OS MESMOS ATORES

Mil Golpes

A Thousand Blows. Disney+, seis episódios.

Citei esta série aqui mesmo há algumas semanas quando ela estreou. Criada por Steven Knight (“Peaky Blinders”), trata dos conflitos no submundo do crime em Londres, no final do século 19. De um lado estão as ladras da gangue Forty Elephants, lideradas por Mary Carr (Erin Doherty, a psicóloga Briony do terceiro episódio de “Adolescência”). De outro, o imperador do boxe sem luvas Henry “Sugar” Goodson (Stephen Graham, que interpreta o pai de Jamie na outra série). E no meio desse conflito, o pugilista Hezekiah Moscow (Malachi Kirby) e seu melhor amigo Alec Munroe (Francis Lovehall), recém-chegados da Jamaica.

COM ADOLESCENTES SE COMPORTANDO MAL (SEM CELULARES)

Debaixo da Ponte: A Verdadeira História do Assassinato de Reena Virk (2024)

Under the Bridge. Disney+, oito episódios.

Em julho do ano passado, pouco depois de sua histórica indicação ao Oscar, Lily Gladstone estrelou esta minissérie baseada em um crime real —e pela qual acabou indicada a um Emmy.

Nela, Gladstone é Cam Bentland, uma policial que investiga o assassinato de uma adolescente na ilha de Vancouver em 1997 e o envolvimento de uma gangue de meninas no crime. A garota, Reena (Vritika Gupta), saiu para uma festa com as amigas e nunca mais voltou. A jornalista Rebecca Godfrey (Riley Keough), que preparava um livro sobre as relações traiçoeiras entre jovens mulheres da comunidade, ajuda Cam a investigar o que ocorreu.

COM ADOLESCENTES SE COMPORTANDO MAL (COM CELULARES)

The Pitt

Max, às quintas, primeira temporada, 15 episódios.

É uma desculpa para eu poder te lembrar que “The Pitt”, nova série da Max sobre o pronto-socorro de um hospital público em Pittsburgh, contada à la “24 Horas”, com cada episódio representando uma hora de um plantão, continua tão boa quanto eu esperava? Talvez.

Mas entre as muitas histórias que a série tenta manter no ar está a de David (Jackson Kelly), cuja mãe desconfia que o filho está planejando fazer mal a garotas.

Como lidar com a ameaça —quão a sério levá-la, se devem tratá-la como caso de polícia, motivo para uma intervenção psiquiátrica ou apenas uma boa conversa— é um dos conflitos da temporada e o ponto de contato entre o dr. Michael “Robby” Robinavitch (Noah Wyle) e uma das residentes do hospital, a dra. Cassie McKay (Fiona Douriff).

E “The Pitt” continua muito legal.

COM ADOLESCENTES SE COMPORTANDO BEM (PARA LIMPAR O CÉREBRO)

O Clube das Babás (2020-21)

The Baby-Sitters Club. Netflix, duas temporadas, 18 episódios.

Adaptação de uma série de livros infantojuvenis, pode ajudar a recuperar a fé nos adolescentes (ainda que se passe num mundo afluente quase mágico em Connecticut). As colegas de escola Kristy (Sophie Grace), Mary Anne (Malia Baker), Claudia (Momona Tamada), Stacy (Shay Rudolph) e Dawn (Xochitl Gomez) formam um clubinho/cooperativa de babás, que as leva a conhecer famílias diferentes. Cuidando dos vizinhos elas também transformam sua comunidade, ganham independência, aprendem a ser responsáveis e a resolver conflitos. Fofinho demais.

O QUE ESTÁ CHEGANDO

As novidades nas principais plataformas de streaming

La Chimera (2023)

Mubi, 131 min.

Estreou na semana passada na Mubi, mas levou tanto tempo para chegar ao streaming que vale o aviso tardio. Dirigido pela italiana Alice Rohrwacher, traz Josh O’Connor (“Rivais”) como um arqueólogo recém-saído da prisão que se associa a ladrões de covas na Itália. Também tem no elenco a brasileira Carol Duarte.

Aposta de Outro Mundo

Bir ihtimal Daha Var. Netflix, oito episódios.

Um famoso jornalista esportivo e apostador, Isa (Ata Demirer), que agora sofre com uma onda de má sorte, encontra sua salvação no fantasma de Refik (Uğur Yücel). O falecido empresário ajuda o escritor a colocar a vida em ordem em troca de descobrir quem o matou.

Assassinato na Casa Branca

The Residence. Estreia na Netflix nesta sexta (21), oito episódios.

Uzo Aduba faz sua versão de Benoit Blanc neste “murder mystery” situado na Casa Branca, da fábrica de seriados de Shonda Rhimes. Durante um jantar de Estado com dezenas de convidados, um homem é morto (Giancarlo Esposito) e todos na casa, do estafe ao presidente dos Estados Unidos, são suspeitos. Cordelia Cupp (Aduba) investiga com seus métodos pouco usuais.

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa (2024)

Estreia no Prime Video neste sábado (22), 90 min.

Adaptação dos quadrinhos de Mauricio de Sousa sobre o caipirinha mais ousado da Vila Abobrinha. Chico Bento (Isaac Amendoim) precisa da ajuda dos amigos para salvar a goiabeira de Nhô Lau (Luis Lobianco) do malvado Dotô Agripino (Augusto Madeira).

Ruptura (2022 -)

Severance, AppleTV+, nesta sexta (21).

Chega ao fim a segunda temporada da série, nesta sexta (21). Não tive acesso ao último episódio ainda, então não sou nem capaz de dar spoilers sobre o périplo de Mark S. (Adam Scott) em busca de respostas sobre a misteriosa companhia para a qual trabalha e os segredos que aquele prédio gelado guarda. Sou cética, mas estou tentando manter o otimismo por um final de temporada satisfatório.

VEJA ANTES QUE SEJA TARDE

Uma dica de filme ou série que sairá em breve das plataformas de streaming

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004)

Eternal Sunshine of the Spotless Mind. Disponível na Netflix até 31.mar, 107 min.

Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) tiveram uma história de amor, mas agora que ela acabou, um tenta esquecer do outro por meio de um procedimento médico que apaga memórias selecionadas. Será que basta?

Lançada no último dia 13 de março, “Adolescência” chegou à Netflix discretamente e se tornou um sucesso. A minissérie acompanha o dia a dia do jovem Jaime Miller, um garoto de 13 anos que vê sua vida virar de cabeça para baixo ao ser acusado de ter assassinado uma colega de escola.

Dividida em quatro episódios com cerca de uma hora cada, a produção tomou as redes e invadiu grupos de comunicação graças a suas discussões temáticas. Assuntos como as influências das plataformas digitais, o diálogo entre pais e filhos e a saúde mental da população jovem transformaram o seriado em um hit instantâneo.

Mas “Adolescência” também chamou muita atenção pela forma como foi produzida, e os bastidores divulgados pela Netflix se tornaram igualmente populares.

Os episódios da série foram rodados, cada, em um único plano-sequência, técnica do audiovisual que preserva ações e movimentos de câmera por muito tempo e não utiliza qualquer corte entre enquadramentos ou cenas. Isso gerou uma série de dúvidas sobre essa realização no set de filmagens.

Em uma postagem no Instagram, a plataforma explicou alguns conceitos técnicos e trouxe maiores detalhes sobre as gravações da minissérie. A publicação compara os planos sequência com “peças de teatro bem coreografadas”, uma vez que estes exigem a boa coordenação e o tempo certo entre todas as partes —seja a equipe técnica, o elenco principal, os figurantes ou a movimentação de objetos de cena.

Esse desafio foi particularmente trabalhoso no segundo episódio da série, que contou com um total de 320 adolescentes e 50 adultos coreografados. É nesse mesmo capítulo que a câmera precisou ser atravessada por uma janela, ao deixar uma escola, e ser conectada a um drone pouco depois, que permitiu levantar o equipamento e exibir um panorama superior da cidade.

Inclusive, por essas e outras cenas a equipe do seriado optou por gravar com um estabilizador, aparelho que facilitou a movimentação da câmera entre os espaços e suas personagens.

Diferente das produções teatrais, entretanto, onde qualquer desvio é visível em frente ao público, a gravação de um plano sequência permite erros, ainda que estes sejam bastante custosos. Por exigirem longas tomadas de gravação, cada tentativa toma muito tempo da rotina dos atores, amplia as horas de produção e pode acarretar no aumento de custos.

Ainda assim, um plano sequência bem executado demonstra amplo domínio técnico por parte da equipe de um determinado título. No caso de “Adolescência”, o conceito foi seguido à risca uma vez que ele reforça o suspense construído pela trama e seu impacto sobre o espectador.

Ao total, foram utilizadas quatro tomadas, uma para cada episódio. É claro que as gravações exigiram várias tentativas de captação até que o todo funcionasse, e ao final foram selecionadas as melhores para cada capítulo. No segundo, por exemplo, apenas a 13ª tentativa foi escolhida como a melhor.

Entre as curiosidades, a Netflix ainda diz que o momento em que os policiais derrubam a porta da casa de Jamie, no primeiro episódio, exigiu o uso de 12 portas. O streaming também explica que a passagem do quarto episódio em que o ator Stephen Graham —também um dos criadores e roteiristas da atração— joga tinta em uma van exigiu uma tinta especial que permite ser lavada, já que a ação foi refeita algumas vezes.

Vale lembrar, ainda, que algumas produções tendem a realizar planos-sequência “falsos”. É o que acontece quando cortes invisíveis são utilizados para emendar tomadas diferentes e provocar a impressão de estarmos vendo um material sem qualquer corte.

Sua produção geralmente usa truques como passagens por espaços escuros ou a paralisação da câmera em pontos específicos de um ambiente, estratégias que permitem cortar e iniciar outra tomada sem que isso seja tão perceptível.

Este não foi o caso de “Adolescência”. Um exemplo recente que usa esse tipo de técnica é o filme de guerra “1917“, que venceu o Oscar de melhor fotografia em 2020.